Gálatas 2.20 é um versículo precioso, poderia dizer,
inigualável. Não somente porque foi o versículo da minha conversão [que
descrevi no texto O dia em
que Cristo me fez], mas porque, de uma forma singular, poder-se-ia
resumir a vida cristã ou, ao menos, descrevê-la plenamente. É também o alvo, o
de um dia poder dizer: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais
eu, mas Cristo vive em mim”. São palavras que me acalentam, me dominam, me
compungem a encontrar-me nelas. Poderia ser a epígrafe cravada na minha
sepultura, porém, muito mais a quero gravada em meu coração. O resumo de tudo o
que almejo e quero experimentar. Mais do que isso, ser. E desde aquele momento,
decorei-as, como se decora a melodia da mais bela entre todas as canções. Como
se ouvisse a sinfonia perfeita, inefável, a síntese do mais puro e santo
sentido, ainda que com palavras indizíveis em sua verdade absoluta e
extraordinária. Como se estivesse a construir algo que sei impossível, por mim
mesmo, construir. De certa forma, invejo a Paulo por ter sido ele e não eu a
proferi-las; mas creio que saídas de sua boca, elas têm o som da minha voz, o
som da sua voz, o som da voz de todos os santos, daqueles que são um em Cristo,
e por ele vivem.
Mas, o que levou o apóstolo a proferi-las?
A mensagem central de Gálatas é a disputa: Lei x
Evangelho. Em vários momentos, parece haver o desprezo de Paulo pela
lei, como se fosse descartável e não existisse mais nenhum sentido nela. Mas
esse não é o caso. Em outra carta, ele diz: "E assim a lei é santa, e
o mandamento santo, justo e bom” [Rm 7.12]. E, ainda: “Anulamos, pois, a
lei pela fé? De maneira nenhuma, antes estabelecemos a lei” [Rm 3.31].
O que está em disputa entre Paulo e os judaizantes é
a lei como instrumento de salvação. Eles pregavam contra o Evangelho, ao
afirmar que era necessário se cumprir toda a lei para salvar-se. Por isso, o
apóstolo diz: “Se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu
debalde” [ 2.21]. Ora, se para ser salvo o crente deveria cumprir toda a lei,
qual a razão de Cristo encarnar, padecer, e morrer na cruz? Por isso o homem
não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus
Cristo [2.16]. Desta forma, Paulo constrói a defesa do Evangelho da Graça,
sem que haja nenhum tom antinominiano [1] em seu discurso, pelo
contrário: “É porventura Cristo ministro do pecado? De maneira nenhuma.
Porque, se torno a edificar aquilo que destruí, constituo-me a mim mesmo
transgressor” [2.18].